26 de junho de 2007

Estatuto da Igualdade racial: da trajetória de lutas e resistências populares

A misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram".
Salmo 85.10
Há mais de cinco séculos a população negra no Brasil luta por libertação, emancipação e dignidade. A luta também é pelo resgate de sua história, que em todos estes séculos foi mal contada, manipulada e alterada.

Tomo a reflexão de Perseu Abramo sobre o jornalismo e a aplico à história dos negros escravizados no Brasil, que passou por um "padrão de manipulação" bastante sutil: primeiro omitindo os fatos e personagens relevantes na luta e resistência dos negros (Palmares, Luíza Mahin, etc.); segundo fragmentando a história, contando-a em partes, ignorando os contextos e motivações (a feijoada como alimentação dos negros); e por fim reforçando o mito da "democracia racial" no Brasil, ou imputando aos negros uma passividade e cumplicidade com o regime escravista.

Em uma reflexão mais cuidadosa de nossa história, vamos observar que a resistência e as mais diferentes formas de luta foram uma constante entre os negros escravizados e se fazem presentes na sociedade atual, como na expressão do Estatuto da Igualdade Racial.

A resistência de Luíza Mahin (1812) contra o escravismo é sem dúvida um exemplo a ser reconhecido e um marco na luta dos negros e negras escravizadas. Luíza Mahin era uma africana livre, pequena comerciante, militante da causa negra e forte defensora do fim da escravidão. Foi uma das principais lideranças da Revolta do Malês (1835), que teve como objetivo libertar os negros escravizados em Salvador. Em 1837 participou da Sabinada e teve que fugir às pressas para o Rio de Janeiro onde deu continuidade à luta, sendo presa em 1838 após organizar manifestações pelo fim da escravidão, nunca mais foi vista.

Soma-se à luta de Luíza Mahin a de seu filho Luiz Gama (1830) que, como sua mãe, resistiu à escravidão, tendo sido vendido por seu pai aos 10 anos de idade e mantido como escravo até os 18 anos, quando provou que a sua venda havia sido cercada de ilegalidades. A partir daí sua luta contra a escravidão não teve fim, tornou-se um advogado sem diploma (um rábula) e seguiu advogando e libertando negros, arrecadando dinheiro para alforriar "clientes", criando o Centro Abolicionista e travando uma árdua disputa jurídica em defesa dos negros até sua morte em 1882, seis anos antes da abolição.

Luiz Gama deixou muitos seguidores de sua causa contra o regime escravista, um dos que mais se destacou foi Antonio Bento que, após a morte de Luiz Gama, optou por uma outra forma de ação: a libertação dos negros nas senzalas, ajudando-os a fugir e se abrigar nas casas de abolicionistas e depois nos quilombos. Este movimento liderado por Antonio Bento ficou conhecido como caifazes.

A trajetória até o Estatuto da Igualdade Racial é bastante longa e possui raízes que se sustentam num solo fertilizado pelas lutas e resistências dos negros e de todos que compreendem que a libertação que Jesus oferece é plena, perfeita e abundante. É sem diferença de qualquer matiz.

A defesa do Estatuto da Igualdade Racial se encontra na continuidade histórica das mais elevadas lutas por liberdade, justiça e emancipação humana, já que tem por objetivo reparar a história do horror da escravidão, estabelecendo políticas públicas que visam benefícios para mais de 90 milhões de pessoas, sendo um elemento necessário, senão essencial, para a melhoria das condições de vida de nossa população. Como cristãos manifestamos o desejo do encontro da misericórdia com a verdade e o beijo da justiça no direito!


* Pastor da Igreja Metodista
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